O teste anti-satélite e o programa espacial da China
O teste de míssil anti-satélite chinês gerou um coro de protestos face ao perigo de uma nova corrida ao armamento espacial. Na verdade, ao não negar (assumindo por omissão) o ensaio, Pequim deixa uma mensagem ao mundo e em especial aos EUA. É esse o ponto de vista de Joseph Kahn, neste artigo publicado pelo New York Times e International Herald Tribune:
"Some analysts suggested that one possible motivation was to prod the Bush administration to negotiate a treaty to ban space weapons. Russia and China have advocated such a treaty, but President Bush rejected those calls when he authorized a policy that seeks to preserve "freedom of action" in space”.
Já em 2002, A.V. Lele (1), analista do Institute for Defence Studies and Analyses (Índia) argumentava que,
"China’s space-based surveillance and remote sensing will increase PLA’s situational awareness. It will help the PLA to understand and analyse USAF assets in more detail. China’s interest in a variety of anti-satellite capabilities, ranging from jammers and blinders to direct energy weapons, poses a threat to US".
É importante entender este ensaio num plano mais amplo que contemple a estratégia da República Popular da China para o espaço. No papel, a política espacial chinesa deve seguir os princípios delineados por Deng Xiaoping: uma política externa independente baseada nos princípios da “Paz e Desenvolvimento”. O “Livro Branco das Actividades Espaciais da China", publicado em 2000 assinala que a política espacial deve servir uma estratégia compreensiva de desenvolvimento,
“in implementing the strategy of revitalizing the country with science and education and that of sustainable development, as well as in economic construction, national security, science and technology development and social progress”.
O programa especial chinês chamou a atenção dos mais distraídos quando em 2003, Yang Liwei se tornou no primeiro taikonauta, ou seja, no primeiro astronauta chinês, a bordo da Shenzhou V (Nave Divina V) Dois anos depois Fei Junlong e Nie Haisheng na missão Shenzhou VI regressaram ao espaço. A China ingressara no clube restrito onde estão EUA e Rússia que enviaram missões tripuladas ao espaço. Mas naturalmente, a estratégia da China vai para além de enviar mais taikonautas para o espaço. O referido Livro Branco estabelece que, no médio-prazo, sejam criados e desenvolvidos projectos, entre outros, como
1- Um sistema de observação da Terra que permita operações de longo-prazo capazes de monitorizar a atmosfera e os oceanos.
2- Melhorar a acapacidade de lançamento de veículos e criar um sistema independente de satélites de telecomunicações
3- Criar um sistema de navegação eposicionamento por satélite independente
4- Estabelecer um sistema nacional de satélites com aplicações de controlo-remoto
5- Desenvolver pesquisa espacial através do desenvolvimento de um grupo de satélites exploratórios de nova geração
Parte destes objectivos já começaram a ser cumpridos. Ao nível dos satélites de navegação existe um sistema de três satélites geoestacionários denominado Beidou (Ursa Maior). Trata-se de um sistema de satélites que não poderá ser comparado ao norte-americano Global Positioning System (GPS), ao russo GLONASS ou ao futuro Galileo (projecto da União Europeia e da ESA do qual a China faz parte como principal parceiro externo), uma vez que a cobertura é limitada apenas com três satélites – um sistema de GPS normalmente requer entre 25 a 30 satélites em órbita. Todavia, é interessante notar que, seguindo a investigação desenvolvida por George Forden (2), ao passo que o Beidou demostra evidentes fragilidades na condução de armas convencionais em terra - como por exemplo as chamadas bombas inteligentes – preenche os requisitos para melhorar a precisão de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM). Por outro lado, a cooperaçãop da China no Galileo permitirá a transferência de tecnologia necessária a no futuro criar um GPS próprio, tal como é enunciado no terceiro ponto referido acima acerca dos objectivos no médio-prazo da política espacial da China. Neste artigo publicado pela Xinhua News Agency (agência noticiosa oficial da República Popular da China), este argumento ganha força:
"China's "Beidou" navigation system is a regional positioning system mainly covering the country and its neighboring areas, thus making vertical positioning impossible and limiting the number of users. Academician Liang Sili, who once served as the general engineer of the nation's Aerospace Ministry, said that the global positioning system is a apace infrastructure facility. China is bound to be a space power in the 21st century, able and necessary to possess its own navigation system. The Sino-EU cooperation will significantly help China to attain its goal".
No mesmo artigo,
“(…) for a long time, what the United States has provided to its military units are precise positioning signals, whereas the ones it provided to other users are low-precision signals (with deliberately added interference). That is to say, only Americans know the exact position of any object on the earth, other countries only have a "general idea" concerning the position"
O fim do unipolarismo norte-americano também no espaço parece ser também uma inevitabilidade. Falta agora saber se o desenho de um mundo bipolar (tripolar ou mesmo multipolar se incluirmos a Rússia e a UE com o Galileo), poderá transformar-se num espaço multilateral. Para isso terão que ser constituídos regimes (no sentido do liberal-institucionalismo). Com os recentes desenvolvimentos a China procura também colcar-se numa posição em que a recusa dos EUA em incluir Pequim no Projecto da Estação Espacial Internacional, um projecto que engloba a ESA, EUA, Rússia, Japão e Canadá, seja insustentável. A ascençãod a China enquanto um Space Player, quer metermos de aplicações civis como militares – e sabemos que ambas as dimensões estão intimamente ligadas –deve ser absorvida. A China deve ser engaged não apenas na ONU ou OMC mas também como um poder espacial. Numa perspectiva realista (no sentido das teorias das Relações Internacionais) o dilema de segurança e as pulsões sinófobas poderão fazer com que a resposta dos EUA a esta ascensão seja de escalada. O terreno (o espaço) é escorregadio.
(1) Lele, A. V. (2002, April). "China as a Space Power". Strategic Analysis: A Monthly Journal of the IDSA Apr-Jun 2002 (Vol. XXVI).
(2) Forden, Geoffrey (2004). "China’s Satellite-Based Navigation System: Implications for Conventional and Strategic Forces". Breakthroughs, Vol. XIII, no. 1, Spring 2004, pp. 8-13.
P.S. Ler também:
Matias, José Carlos (2006). O Grande Salto. Revista Macau IV Série N°2 Março, 2006.